
* Durante o período de quarentena, convidamos alguns amigos que estão envolvidos com a indústria de cafés para que façam uma reflexão sobre como a pandemia do COVID-19 têm impactado o mercado de cafés. A seguir, a reflexão de Sebastian Grau, barista e empresário, proprietário da cafeteria MY Coffee Shop Project, localizada em Tubarão, Santa Catarina.
Café e Covid – por Sebastian Grau
No Brasil atual, o mercado consumidor de cafés ainda está em processo de estruturação e consolidação. Nós, donos de cafeterias, temos um produto que precisa ser explicado, justificado e ensinado. Mesmo sendo o maior produtor mundial de cafés, de qualidade altíssima, travamos uma luta contra as grandes empresas alimentícias que insistem em comercializar cafés de baixos atributos, o que dificulta nosso desenvolvimentos como mercado consumidor. A cultura do consumo de cafés baratos e de características simples foi enraizado em nossa sociedade e, aos poucos, estamos tentando mudar isso.
O café de qualidade figura na lista de itens supérfluos, o que foi evidenciado pela pandemia do COVID-19. Logo em sua primeira quinzena, a quarentena escancarou que rolos de papel higiênicos são mais eficazes no consolo da ideia de ficar em casa que produtos de qualidade ou provenientes da economia local. É difícil vender café para quem correu para encher a despensa, com medo do futuro. Só quando a calma e o marasmo foram tomando conta dos ‘quarenteners’ e a cabeça saiu do ‘modo sobrevivência’ é que o comércio não essencial começou a se movimentar. O delivery trouxe um novo ar para o comerciante, mas no mundo dos cafés o que se vendeu não foi o sabor, a qualidade ou a origem. Com o café queimado e de baixa qualidade na despensa, o que alavancou as vendas de cafés especiais, cervejas artesanais ou pães de fermentação natural foi resultado das campanhas informais pelo ‘compre local’, que veio para dar à população uma oportunidade de colaborar com a sua comunidade. Que fique claro que o público que normalmente consome cafés especiais não sofreu com a falta de dinheiro, mas buscou reter gastos graças à incerteza do futuro. Os cafés especiais foram, para muitos, uma ‘novidade’, que veio mudar um pouco o clima do isolamento em casa, um novo alento aos paladares confinados que o COVID nos impôs.
No comércio brasileiro, as cafeterias, na maiorias das vezes, pertencem a um bairro, fazem parte de uma comunidade, e possuem uma rede própria de contatos e clientela. Com essa ferramenta na mãos, e com a consciência de que o café de qualidade é um produto supérfluo para a maioria de pessoas, montamos estratégias para entregar algo mais do que apenas cafés: nosso delivery foi de experiências, diferenciações, histórias, conteúdo, trajetória, e, além de tudo isso, entregamos um pedido de ajuda. O cliente, então, se tornou uma peça fundamental no amparo do comércio local, já que começou a sentir-se como uma parte importante de uma rede muito maior.
Reparem que a qualidade dos cafés especiais, até então, não foi um atributo citado, um argumento utilizado para a venda durante este período. Como comentei antes, não seria aquele café queimado na despensa o que tornaria a quarentena algo insuportável. Mas todo esse acontecimento chegou como um estalo, a ficha da responsabilidade social caiu para cada um de nós, e fez com que as pessoas se abrissem para novos sabores, que se sentissem confortáveis para buscar novas experiências e para fazer disso um grande acontecimento em sua própria casa.
Gostaria de concluir esta reflexão com um parágrafo que assentasse tudo até chegar a uma conclusão. Mas ainda estamos passando por isso e, sinceramente, não tenho a valentia para ousar prever o que ainda poderá acontecer.