Café da HoraConsumo Consciente

Café da Hora – O que uma vaca tem a ver com café?

By 06/07/2020julho 20th, 2020No Comments

Muito tem se falado sobre cafés especiais, pontuação de cafés, processamento, fermentação controlada, origem único, terroir…. A lista de termos que fazem parte do universo dos cafés especiais é extensa. Nas cafeterias, grande parte do trabalho do barista é socializar esses termos com o consumidor final, introduzindo-o à descoberta de novos sabores e características que fazem de um determinado café uma experiência gastronômica e sensorial única.

No entanto, para nós aqui na Montañita Cafés Especiais, um café realmente ‘da hora’ é composto de atributos que vão muito além dos protocolos estabelecidos por organismos internacionais que difinem os parâmetros sobre a qualidade no café. Um ‘café da hora’ é aquele que integra em seu cultivo, colheita, processamento ou armazenamento processos que deixem uma marca transformadora, que nos façam ter a certeza de que a mudança que queremos ver acontecer no mundo é possível de ser alcançada com pequenas iniciativas de grande impacto.

Na Fazenda do Serrado, localizada em Carmo de Minas, na Serra da Mantiqueira, o engenheiro agrônomo e produtor de cafés especiais Caio Pereira teve uma ideia simples. Ele usou parte do espaço físico da sua fazenda para criar gado leiteiro. Os bovinos garantem um pequena produção de leite (1800 litros por dia) e fazem com que a fazenda não dependa financeiramente de forma exclusiva do café mas, principalmente, fornecem entre 70-80% de todo o adubo utilizado no cultivo do café. Isso implica uma economia para a fazenda, diminui consideravelmente o emprego de químicos no plantio e diminui a necessidade de usar meios de transporte para levar o adubo até a fazenda. O adubo proveniente das 50 cabeças de gado leiteiro é totalmente orgânico, muito indicado para melhorar a microbiota do solo, fazendo deste um terreno ‘vivo’ e muito mais benéfico para as plantas.

Consumir produtos oriundos da agricultura familiar ajuda na melhoria da condição de vida dos trabalhadores rurais, aumenta o interesse dos jovens por permanecer o campo e ajuda a compensar os impactos ambientais causado pelo extensivo extrativismo do agronegócio.

Nerita OeirasMontañita Cafés Especiais

Outro exemplo de ‘café da hora’ são os cafés provenientes da agricultura familiar. Agricultura familiar é toda forma de cultivo de terra administrada por uma família e que emprega como mão de obra os membros da mesma. Estima-se que 70% de todos os alimentos consumidos no país são produzidos nesse modelo de agricultura, destinado principalmente a subsistência do produtor rural e ao abastecimento do mercado interno do país. A agricultura familiar emprega 80% da força de trabalho agrícola, porém possui apenas 24% do território cultivado no país, e contrasta com as grandes produções do agronegócio, que geralmente produzem em massa um único gênero alimentar destinado à exportação. Consumir produtos oriundos da agricultura familiar ajuda na melhoria da condição de vida dos trabalhadores rurais, aumenta o interesse dos jovens por permanecer no campo, ajuda a diminuir o êxodo da força de trabalho para as cidades e ajuda a compensar os impactos ambientais causado pelo extensivo extrativismo do agronegócio.

Estes cafés não sempre são classificados pelos especialistas com altas pontuações em degustação, ou possuem total ausência de defeitos, mas seu valor social ou ambiental é significativo. É realmente pouco provável que os cafés provenientes de fazendas que trabalham com tanta dedicação, buscando soluções para melhor o rendimento ao mesmo tempo que diminuem o impacto socioambiental de seus produtos agrícolas, sejam de baixa qualidade. A colheita seletiva, o cuidado com o armazenamento, o respeitos à dignidade humana estão no DNA desses pequenos negócios agrícolas, e se vêem refletidos na qualidade. Contudo, não quero dizer que a qualidade da bebida não é importante, ou que as experiências sensoriais de tomar um café de alta pontuação não devam ser valorizadas, muito pelo contrário, são cafés que adoro experimentar! Mas os convido a refletir sobre a pontuação, o terroir e os parâmetros SCA como único horizonte possível para valorizar os nossos cafés, um produto agrícola com tanta história e tanta possibilidades, cuja qualidade não deve residir apenas no sabor, mas também nas boas práticas sociais e ambientais, que são o grande valor agregado dos cafés brasileiros.

Nerita Oeiras

Nerita Oeiras

Nerita Oeiras é artista plástica, pesquisadora independente em Estudos Culturais, empreendedora e proprietária de Montañita Cafés Especiais. No Instagram: @nerita.oak

Leave a Reply