Café da HoraConsumo Consciente

Mindfulness, comércio justo e soberania alimentar

Café especial Montañita

Se uma coisa positiva a pandemia do COVID-19 nos trouxe foi a capacidade de entender que precisamos de formas de consumo e comércio mais conscientes. O conceito de ’mindfulness’, a prática meditativa que anda tão na moda e que nos atenta à necessidade de viver com maior consciência sobre o tempo presente, pode ser aplicado também em outros aspectos de nossa vida, como em nossas relações de consumo.

Nas últimas décadas, o consumidor vem se tornando mais atencioso enquanto a origem de seus produtos, buscando artigos certificados e procurando conhecer mais sobre as práticas de toda a cadeia comercial. Comércio justo, produtos orgânicos e economia circular são termos cada vez mais presentes em nosso dia-a-dia. Eles são um indicativo de que começamos a considerar diversos aspectos na produção de um bem: o respeito ao meio-ambiente, o pagamento de salários dignos para os produtores, a busca de igualdade de gênero, entre outros.

Assim como na produção, esses critérios estão chegando também nos pontos de venda, onde encontramos alternativas comerciais que conseguem sobreviver por tempo suficiente e fazem um contraponto ao afã pelo lucro, à grande presença de empresas multinacionais e às elites de comercialização de produtos.

O valor do consumimos já não tem porque ser determinado apenas por interesses econômicos que não levam em contas os limites das pessoas que produzem, das que comercializam, do próprio planeta. A indústria de cafés especiais e sustentáveis, por exemplo, recebe inúmeros questionamentos sobre o supostamente alto valor dos produtos comercializados. Uma embalagem de 250 gr de cafés especiais custa algo em torno de R$ 25 reais. Já os cafés comercializados pelas grandes corporações de alimentos giram em torno de R$ 7 pela mesma quantidade. A discrepância entre os preços está intimamente ligada com os princípios de soberania alimentar.

O valor do consumimos já não tem porque ser determinado apenas por interesses econômicos que não levam em contas os limites das pessoas que produzem, das que comercializam, do próprio planeta.

A soberania alimentar é o direito dos grupos produtores de estabelecer suas próprias políticas agrícolas e alimentares, o direito de decidir o que cultivar e comercializar, o direito de produzir respeitando o territórios, de ter em suas mãos o controle sobre os recursos naturais e de determinar o seu verdadeiro custo de produção. No caso específico do café, no ano 2019 o custo médio de produção de uma saca foi de R$ 420, enquanto a média do seu valor de comercialização ficou em torno de R$ 350. O preço de venda foi inferior ao custo da produção, o que ocorre devido à pressão comercial dos grandes compradores de cafés, trazendo dificuldades, miséria e perda de dignidade para os agricultores.

Assim, o que podemos dizer sobre uma marca de cafés antiga, consolidada, muito barata e que se comercializa exclusivamente nas estantes de uma grande rede de supermercados? Será que apenas o preço baixo é suficiente para justificar pressão sobre o agricultor para que seja o único responsável em sustentar perdas económicas, o que acarreta um sacrifício da qualidade do produto, danos ambientais irreparáveis e  empobrecimento dos trabalhadores rurais?

Somados, os princípios de soberania alimentar e comércio justo trazem o conceito de ‘mindfulness’ para outros aspectos do nosso dia-a-dia. Ao gerar consciência sobre o nosso próprio bem-estar físico, mental e espiritual, podemos entender a importância  de estender esse bem-estar ao mundo ao nosso redor, ao meio-ambiente e de toda a rede de pessoas que fazem com que um produto chegue até a nossa residência. O bem-estar de todos só poderá ser alcançado ao transformar nossos comportamentos de produção, comercialização e consumo, ao buscar transfariencia nas relações comerciais, criando uma forte aliança entre campo e cidade, entre humanos e natureza, reconhecendo outros modelos possíveis de agricultura, de comércio, de logística, de prestação de serviços.

Então, se um produto é muito barato, ligue o seu radar! Se caminharmos juntos nessa direção, com cada um de melhorando suas próprias práticas, a consciência e o bem-estar serão verdade para todos.

Nerita Oeiras

Nerita Oeiras

Nerita Oeiras é artista plástica, pesquisadora independente em Estudos Culturais, empreendedora e proprietária de Montañita Cafés Especiais. No Instagram: @nerita.oak

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